DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS: DIREITOS HUMANOS E SUJEITOS COLETIVOS DE DIREITO
A Constituição Federal (1988) expressa direitos individuais e metaindividuais, reconhecendo sujeitos coletivos de direito (comunidades indígenas e remanescentes de quilombo, povos de santo, pescadores artesanais e marisqueiras, fundo de pasto, geraiszeiros, quebradoras de coco-babaçu, seringueiros) e incorporando direitos humanos, relativos à diversidade étnica, direitos culturais, ao meio ambiente, a territorialidade, a autonomia, a livre determinação, além dos direitos fundamentais, como educação, saúde, moradia, alimentação. As conquistas garantidas no sistema legal foram resultado da luta e afirmação das comunidades, historicamente marginalizadas no acesso à cidadania.
No dizer de Boaventura de Sousa Santos existe um processo de reconhecimento de novos direitos que vêm sendo garantidos em “sistemas jurídicos constitucionais, antes fechados ao reconhecimento da pluriculturalidade e multietnicidade, foram reconhecendo, um a um (…) uma variada formação étnica e cultural” (2003:93).
O novo sujeito histórico coletivo articula-se nas exigências de dignidade, de participação, de satisfação “mais justa e igualitária das necessidades humanas fundamentais de grandes parcelas sociais excluídas, dominadas e exploradas da sociedade” (Wolkmer, 2005: 104). Por sua vez, “a história do povo revela que há diversidades raciais que são criadas e recriadas no interior das desigualdades sociais (Ianni, 2004:07).
No fazer-acontecer da norma constitucional políticas sociais diferenciadas com participação das comunidades têm sido elaboradas e os governos federais e estaduais têm institucionalizado estruturas administrativas de Estado, como Ministérios, Secretarias e instâncias colegiadas, como a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto de 24 de dezembro de 2004, Decreto 13 de julho de 2006 e Decreto 6040, de 07 de fevereiro de 2007).
Portanto, a partir de 2007, com a estruturação da política nacional de povos e comunidades tradicionais, uma diversidade de grupos étnico-raciais sai de uma nítida invisibilidade institucional. Tal invisibilidade se refletia “pela ausência de instância do poder público responsáveis pela articulação e implementação de políticas para esses povos e comunidades” (Silva:2007:07). A própria conceituação normativa dessas comunidades é estabelecida, como sendo:
“Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Decreto 6040, de 07 de fevereiro de 2007, art. 3, I).
Os povos e comunidades tradicionais têm construído ao longo de gerações sistemas sustentáveis de exploração dos bens ambientais, adaptados às condições ecológicas e baseada em saberes que respeitam a diversidade biológica, explicitam harmonia com a natureza e efetivam culturas de subsistência.
Por sua vez, existem demandas por direitos das comunidades tradicionais ainda não plenamente realizadas, quer por déficits históricos, pela falta de interesses das elites e falta de preparo estatal para atendimento dos pleitos, pela ausência de formação jurídica específica de profissionais egressos dos cursos jurídicos, pelo tempo dispendido nos processos de reconhecimento e titulação de terras, por dificuldades de mediação dos conflitos existentes, inclusive pela inserção de temas atuais, como o racismo institucional, ambiental e a intolerância religiosa. Em verdade existe “a necessidade de construir a perspectiva de um sistema democrático que incorpore a noção de diversidade de classe e de raça” (Rocha & Santana Filho, 2008: 39). Atualmente os povos e comunidades tradicionais sofrem pressão intensa para conquista dos seus territórios, a exemplo dos povosGuarani-kaiowa e dos kaiapós.