sábado, 27 de outubro de 2012

A LINHA DOS BOIADEIROS

Oração aos Boiadeiros

Meu amigo Boiadeiro! 

Tu que guia teu gado pelas porteiras dos caminhos de Ogum, que passa por rios, sob Sol e chuva com seu berrante a anunciar tu chegada, com teu chicote em punho, hábil com o laço e não deixa demanda criar, ajuda-me nesta hora, abra as porteiras de meus caminhos, traga no teu laço aqueles que me querem mal, que na sua chibata haja justiça de minha causa. 

Que eu encontre em meus caminhos a solução pros meus pedidos.





Os espíritos que se manifestam na Umbanda na Linha dos Boiadeiros são aguerridos, valorosos, sisudos, de poucas palavras, mas de muitas ações.

Apresentam-se como espíritos que encarnaram, em algum momento, como tocadores de boiada, vaqueiros, pastoreadores etc.

Os seus pontos cantados sempre aludem a bois e boiadas, a campos e viagens, a ventanias e tempestades.

O laço e o chicote são seus instrumentos magísticos de trabalhos espirituais. Eventualmente usam colares de sementes ou de pedras.

O Arquétipo da Linha de Boiadeiros é a figura mítica do peão sertanejo, do tocador de gado, enfim, dos homens que viveram na lida do campo e dos animais e que desenvolveram muita força e habilidade para lidar contra as intempéries e as adversidades.

É um Arquétipo forte, impositivo, vigoroso, valente e destemido. Representa a natureza desbravadora, romântica, simples e persistente do homem do sertão, também chamado de caboclo de couro. Lembra os vaqueiros, boiadeiros, laçadores, peões e tocadores de viola; muitos deles mestiços, filhos de branco com índio, de índio com negro etc., trazendo à nossa lembrança a essência da miscigenação do povo brasileiro, com seus costumes, crendices, superstições e fé.

Existem, no Astral, muitos espíritos que, em suas últimas encarnações, praticamente viveram sobre o lombo dos cavalos, dedicando-se a criar e a domesticar esses animais, tão úteis à humanidade, já que até um século atrás o cavalo era o principal meio de transporte. Foram vaqueiros, domadores de cavalos, soldados de cavalaria etc., e guardam em suas memórias recordações preciosas e inesquecíveis daqueles tempos. Em homenagem a eles é que se construiu, no Astral, o Arquétipo da Linha dos Boiadeiros.

Nesta Linha manifestam-se espíritos que usam seus conhecimentos ocultos para auxiliar pessoas que estejam atravessando momentos muito difíceis. São combativos, inclusive no corte de magias negativas, porque conseguem promover “um choque” em nosso campo magnético e liberá-lo de acúmulos negativos, obsessores etc.

Nem todos foram, de fato, “boiadeiros”, mas todos eles têm em comum a capacidade de atuar num campo específico e que caracteriza a Linha, qual seja o de nos trazer uma energia vigorosa, muito útil na quebra de cargas e magias negativas e para desfazer “cristalizações” mentais negativas, pois os Boiadeiros atuam no campo da Lei Divina e na Linha do Tempo.

A Linha de Boiadeiros é sustentada, num dos seus Mistérios, pelo Orixá Ogum. Por isso, eles são verdadeiros “soldados” que vigiam tudo o que acontece dentro do campo da Lei Maior, estando sempre prontos a acudir os necessitados.

Na Linha do Tempo, atuam sob a Regência de Mãe Oyá-Tempo e de Mãe Yansã, combatendo as forças das trevas pela libertação e o reerguimento consciencial dos espíritos que se negativaram, se desequilibraram e se perderam, recolhendo-os e os encaminhando para o seu local de merecimento na Criação.

Embora a Linha seja sustentada por esses Orixás (Ogum, Oyá-Tempo e Yansã), cada Boiadeiro vem na Irradiação de um ou mais Orixás que os regem especificamente, como acontece nas demais Linhas de Trabalho da Umbanda.

Na linguagem dos Boiadeiros, “boi” é o próprio ser humano em desequilíbrio. Ou seja, são os espíritos encarnados e os desencarnados em desequilíbrio perante a Lei Maior, necessitados de auxílio. Suas referências a cavalos, a tocar a boiada, a laçar e trazer de volta “o boi” desgarrado do rebanho, ou atolado na lama, ou arrastado pelos temporais, ou que se embrenhou nas matas e se perdeu, ou que foi atravessar o rio e foi arrastado pela correnteza etc., tudo isso tem a ver com o trabalho realizado pelos destemidos Boiadeiros de Umbanda: eles resgatam os espíritos que se rebelaram contra a Lei Divina, pois esses espíritos são como “bois e cavalos” que não aceitam os “cabrestos” ou limites criados pela Lei de Deus e que por isso precisam ser “domesticados” e educados. Nada melhor que os Boiadeiros para fazer isso.

Quando um Boiadeiro da Umbanda gira no ar o seu laço, ele está criando magisticamente, dentro do espaço religioso do Terreiro, as ondas espiraladas do Tempo, que irão recolher os espíritos perdidos nas próprias memórias desequilibradas e/ou irão desfazer energias densas acumuladas no decorrer do tempo.

Já quando um Boiadeiro vibra o seu chicote, está recorrendo de forma magística e religiosa à Divina Mãe Yansã, para movimentar e direcionar os espíritos estagnados no erro e na desordem. É muito efetivo o seu trabalho contra os espíritos endurecidos (“eguns”).

Dentro da Linha de Boiadeiros, em algumas Casas também se manifestam os “Cangaceiros”, simbolizando os espíritos daqueles que em recente encarnação viveram no sertão e lutaram contra grandes injustiças sociais. Isso pode parecer estranho, à primeira vista, e muitos se perguntam o quê um “cangaceiro” teria a oferecer, em termos de trabalho espiritual de ajuda.

Ocorre que os “cangaceiros” do sertão brasileiro de fato surgiram, em meados dos anos 1920, para defender as populações humildes dos maus tratos e desmandos dos “coronéis” e demais detentores do poder material, que massacravam os menos favorecidos, tomando-lhes muitas vezes até as mulheres, os poucos bens e a dignidade pessoal. Esses homens “poderosos” mandavam e desmandavam, pois se achavam acima das leis humanas e, por certo, não conheciam ou não respeitavam as Leis Divinas. E os “cangaceiros” (Lampião e seu “bando”, os mais famosos) representaram, à época, um movimento popular de revolta e combate a tais desmandos. Foram marginalizados, até porque aos “poderosos” isso convinha. É provável que tenham cometido lá seus excessos também, respondendo à violência das armas com outras armas; mas, pelo menos, tinham a justificativa de estar lutando pelos mais fracos. Já os opressores, qual desculpa teriam?

Enfim, o temperamento combativo desses espíritos de certa forma foi-se agrupando à Linha dos Boiadeiros e eles começaram a se manifestar para trabalhar, nos Terreiros de Umbanda que os acolhiam. Não são “bandidos e malfeitores”, mas espíritos que têm identificação com o Arquétipo do sertanejo forte e destemido.

Há Casas em que os Cangaceiros vêm na Linha de Baianos. Mas, tecnicamente falando, e sem desrespeitar opiniões em contrário, se bem analisarmos os Arquétipos das duas Linhas mencionadas, parece mais adequado a sua aproximação com os Boiadeiros. Porque o Arquétipo do Boiadeiro é o do homem sertanejo. Já o Arquétipo dos Baianos é o dos Sacerdotes (construído a partir dos primeiros Sacerdotes da Bahia e do Nordeste, que mantiveram, sustentaram e divulgaram o Culto aos Orixás). Mas, é claro, a Umbanda é uma religião universalista, voltada unicamente para a prática do Bem, de modo que não vale a pena discutir sobre divergências menores. Essencial é verificar se os espíritos que se manifestam estão praticando o Bem, dentro dos fundamentos da religião, independente do nome com o qual se apresentem.

Significado de algumas expressões usadas pelos Boiadeiros (Fonte: “Arquétipos da Umbanda”, Rubens Saraceni, 2007, Madras Editora, página 110) ―:

Cavalos= filhos de fé;

Boi= espírito acomodado;

Boiada= grande grupo de espíritos reunidos por eles e reconduzidos lentamente às suas sendas evolucionistas;

Laçar= recolher à força os espíritos rebelados;

Boi atolado= espírito que afundou nos lamaçais e regiões pantanosas;

Boi açoitado pelos temporais= egum caído nos domínios de Yansã e do Tempo, onde os “temporais são inclementes”;

Açoite ou chicote= instrumento mágico de Yansã, feito de fios de crina ou de rabo de cavalo;

Laço= instrumento do Tempo (Mãe Oyá-Tempo);

Bois afogados em rios= espíritos caídos nas águas profundas das paixões humanas;

Bois arrastados pelas correntezas= espíritos arrastados pelas correntezas turbulentas da vida;

Bois que se embrenharam nas matas e se perderam= espíritos que entraram de forma errada nos domínios de Oxóssi;

Bois atolados em lamaçais= espíritos caídos nos domínios de Nanã Buruquê;

Bois perdidos nos pantanais= espíritos que abandonaram a segurança da razão e se entregaram às incertezas das emoções.

Nomes simbólicos: Boiadeiro da Serra da Estrela, Zé do Laço, Zé das Campinas, João Boiadeiro, Boiadeiro da Jurema, Boiadeiro do Lajedo, Boiadeiro do Rio, Carreiro, Boiadeiro do Ingá, Boiadeiro de Imbaúba, Boiadeiro Chapéu de Couro, Boiadeiro Juremá, Zé Mineiro, Boiadeiro do Chapadão.

Dia da semana: A terça-feira, associada a Marte e aos Orixás Ogum e Yansã.

Algumas Casas lhes dedicam a quinta-feira, na regência do planeta Júpiter, este associado aos Orixás Xangô e Egunitá, por entenderem que os Boiadeiros são regidos pelos Orixás Ogum, Yansã e Egunitá. Considerando que há uma grande ligação entre os campos da Lei e da Justiça Divinas, essa interpretação tem lá seus fundamentos.

Campo de atuação: Recolhem os espíritos que se desviaram perante a Lei Divina e agem de forma desequilibrada em qualquer dos Sentidos da Vida; combatem os espíritos trevosos e as magias negativas; promovem uma limpeza profunda em nosso campo magnético, despertando em nossas vidas, de forma ordenada, movimento e direção.

Ponto de força: Os caminhos, as campinas, os espaços abertos e as pedreiras.

Saudação: Jetuá, Boiadeiro!

Cor: Azul escuro e amarelo. Em algumas Casas também o marrom e/ou o roxo.

Elementos de trabalho: Berrante, couro, laço, cabaça, terra, pedras, semente olho de boi, anis estrelado, corda, chifres, chicotes, pembas. 

Ervas: Folhas de bambu, arruda, eucalipto, peregum, quebra-demanda, espada de São Jorge, lança de Ogum, espada de Santa Bárbara, pinhão roxo, casca de alho, casca de cebola, canela, anis estrelado, cravo, folhas de limão e de laranjeira, folhas de café e de fumo (tabaco).

Fumo/defumação: Cigarro de palha, fumo de corda, charuto.

Incenso: Benjoim, anis estrelado, cravo, canela, arruda, eucalipto.

Pedras: Hematita, Granada, Turmalina Preta, Ônix Preto. Também e especialmente as Drusas de Cristal e as Drusas de Ametista. As drusas são agrupamentos de várias pontas em uma única base. Elas trabalham a união e o agrupamento de pessoas ou de objetivos e limpam o ambiente. (Fonte quanto às Drusas: “Os cristais e os Orixás”, Angélica Lisanty, Madras Editora, 2008, página 84.)

Frutos: Abacaxi, carambola, limão, laranja, uva, banana, açaí, frutas de casca amarela ou vermelha, as frutas ácidas em geral, abóbora, cará, mandioca.

Flores: Cravos vermelhos, rosas vermelhas e amarelas, flores vermelhas e amarelas em geral.

Bebidas: Suco de frutas ácidas; vinho tinto seco; vinho branco; aguardente com pedaços de canela; água de coco; cerveja clara; conhaque; café com canela; vinho tinto doce ligeiramente aferventado com folhas frescas de eucalipto; vinho tinto doce fervido com pedacinhos de gengibre.

Resina: Benjoim (serve apenas para defumações, e NÃO para banhos).

Oferenda: Frutas, ervas (inclusive dos Orixás Ogum, Oyá-Tempo e Yansã), bebidas, pedras, velas.

Cozinha ritualística:

1-Caldo de mocotó- Cozinhar um mocotó em água, com uma colher de sopa de vinho tinto seco. Depois de cozido, retirar a panela do fogo. Retirar um pouco do caldo, acrescentar cerca de uma colher de sopa de farinha de milho branca e mexer para dissolver bem a farinha. Acrescentar essa mistura ao caldo que ficou na panela e misturar bem. Temperar tudo com sal, alho, cebola e temperos frescos a gosto. Levar de novo ao fogo e deixar aferventar um pouco. Esse caldo é muito nutritivo e também tem um poder de “limpeza” extraordinário em casos de magias negativas e de enfraquecimento do campo mediúnico.

2-Cebola branca deixada no sereno- Descascar uma ou mais cebolas brancas, cortar em fatias grossas e deixar de molho em água mineral, numa vasilha branca (de louça ou de vidro) coberta com um pano branco e colocada no tempo (em espaço aberto) durante uma noite, para receber sereno. Coar. O sumo que fica (água mineral + o sumo da cebola + a ação do sereno) é muito bom para purificação e equilíbrio. Pode ser usado para banho, desta maneira: ferver um pouco de água, retirar do fogo e esperar amornar. Acrescentar um pouco daquele sumo e fazer o banho.
As rodelas de cebola também podem ser passadas em azeite de oliva, temperadas com uma pitada de sal e folhas de manjericão ou de hortelã picadinhas e servidas para a Entidade manipular, ou podem ser ingeridas pelas pessoas. Isso tem ação curativa e alto poder de limpeza.

3-Arroz com lentilhas (ou ervilhas) e carne seca desfiada- Lavar as lentilhas (ou ervilhas) e deixar de molho em água por cerca de uma hora. Escorrer e reservar. Dessalgar a carne seca e cozinhá-la um pouco em água com dentes de alho picadinhos. Juntar as lentilhas (ou ervilhas) e esperar até que tudo esteja cozido. Retirar a carne seca e desfiar. Refogar a carne desfiada com cebola, alho picadinho, pimenta vermelha picadinha e sem as sementes, orégano e/ou cheiro verde a gosto. Reservar. Refogar o arroz e juntar água quente para o cozimento. Quando estiver quase seco, acrescentar a carne seca desfiada e as lentilhas (ou ervilhas). Terminar o cozimento em fogo mínimo. Pode-se também servir este arroz acompanhado de pedaços de abóbora cozida e refogada em azeite, sal e temperos a gosto.

4-Feijão tropeiro- Dessalgar e cozinhar um pedaço de carne seca cortada em cubinhos. Guardar a água do cozimento.  Reservar a carne já cozida. Cozinhar um pouco de feijão naquela água onde a carne seca foi cozida, deixando-o em ponto firme, para que os grãos não desmanchem. Reservar o feijão e um pouquinho da água do seu cozimento (uma concha pequena). Em separado, aferventar duas vezes uma calabresa e um paio, trocando a água da fervura para eliminar excessos de gordura. Retirar a pele e cortar em cubinhos. Dourar em azeite de oliva alguns dentes de alho e uma cebola picadinhos. Colocar sal a gosto e acrescentar a carne seca, as linguiças e por último o feijão com um pouquinho da água do seu cozimento. Mexer com cuidado.  Juntar um pouquinho de farinha de mandioca torrada ou de farinha de milho, misturando tudo para dar o ponto de um virado. Acrescentar temperos frescos picadinhos a gosto (cheiro-verde, orégano, pimenta etc.). Regar com um fio de azeite de oliva.

5-Arroz tropeiro- Meio kg de arroz, 200 g de lombo de porco, 200 g de costelinha defumada,uma linguiça defumada, 200 g de carne de sol, várias cebolas pequenas inteiras.
Preparo: O lombo é a única carne que precisa ser temperada com alho e sal a gosto.  Fritar à parte: a linguiça, a carne de sol e a costelinha; depois, fritar o lombo e, assim que ficar bem dourado, colocar os outros ingredientes já fritos e o arroz. Acrescentar água quente e deixar o arroz cozinhar.  Servir com couve refogada.

6-Frutas variadas, especialmente as de polpa vermelha e as de casca amarela.

7-Costela de boi- Temperar com sal, alho e cebola, tomate, pimentão amarelo e vermelho e cheiro-verde (todos picadinhos), orégano e um pouco de vinho tinto ou de vinagre. Deixar a costela de molho nessa mistura por cerca de uma hora. Fazer assada com batatas e/ou fatias de batata doce. Também pode ser refogada e dourada na panela.

8-Arroz carreteiro- ½ kg de arroz, 50 g bacon, ½ kg de carne seca, 1 linguiça calabresa defumada, 1 linguiça mista, 1 cebola picada, 2 dentes de alho picados, 1 colher de óleo. Preparo: Dessalgar a carne seca e cortar em cubos. Fritar o bacon até dourar e reservar. Fritar as linguiças e reservar. Numa panela grande o suficiente, refogar o alho e depois a cebola. Acrescentar a carne seca, a linguiça e o bacon e dar uma boa refogada. Colocar o arroz e refogar. Juntar água quente, o necessário para o cozimento do arroz.

9-Arroz Tropeiro mineiro- Meio quilo de arroz, 1 colher de óleo, 1 tablete de caldo de galinha, pimenta-do-reino a gosto, 1/2 quilo de carne de sol; três dentes de alho, 1 cebola roxa, 2 tomates e salsinha bem picadinhos. Preparo: Picar a carne em tiras finas e refogar em óleo e alho. Adicionar um pouco de água quente e deixar a carne cozinhar por uns 10 minutos. Em separado, ferver água para o cozimento do arroz; quando ferver, juntar a ela o caldo de galinha e os temperos picados. Colocar o arroz para refogar junto com a carne. Adicionar a água que foi fervida e temperada para o cozimento do arroz. Não deixar secar muito, pois o ponto desse arroz é meio mole.

10- Carne seca com farofa de farinha de milho amarela e torresmo, acompanhada de mandioca, cará e pedaços de abóbora cozidos. Decorar com pimentas.

11-Leite de cabra- Oferendar em copos ou em metades de casca de coco, especialmente em trabalhos de limpeza “pesada” e para saúde. Pode-se fazer banho: aquecer água e retirar do fogo. Juntar um pouquinho do leite de cabra e fazer o banho.

Texto doutrinário: Os Boiadeiros
Fonte: “Arquétipos da Umbanda”, Rubens Saraceni, Madras Editora, 2007, páginas 108/109 e 111.

A Bíblia cita carruagens de fogo (de luz) puxadas por cavalos. Também cita os Cavaleiros do apocalipse, em suas cavalgadas pelo espaço levando o terror aos pecadores.
Outras mitologias religiosas citam seres espirituais que cavalgam pelo espaço infinito. Inclusive, a Mitologia cita as Valquírias, que eram (ou são) exímias amazonas sobrenaturais. A mitologia grega cita Pegasus, o cavalo alado, e cita seres que têm corpo de cavalo e humano.
Bem, separando as descrições míticas, temos de fato espíritos de cavalos que, após desencarnarem, retornam para uma dimensão da vida que é, em si, uma realidade de DEUS, toda dedicada a abrigá-los. E não só aos que encarnaram, porque essa realidade se assemelha a um sonho ou a um conto de fadas. Além de ser uma dimensão quase toda plana, só quebrada por algumas ravinas, colinas, bosques e riachos, ela é infinita em qualquer direção, e é toda verdejante, recoberta por algumas espécies de gramíneas ou capins de baixa estatura.
Nela vivem equinos das mais variadas espécies, cada uma tão bela quanto as outras; e andam em manadas tão grandes que encantam os olhos de quem os vê correndo ao longe.
Ninguém é obrigado a crer no que aqui revelamos, mas essa dimensão realmente existe. Assim como existem os verdadeiros exércitos de espíritos montados em seus garbosos cavalos que, a um comando dos seus montadores, se atiram numa cavalgada pelo espaço.
Briosos e fogosos, esses cavalos obedecem aos seus montadores como se ouvissem o pensamento deles.
Esses exércitos de espíritos montados vigiam, como soldados dedicados, tudo o que acontece nos campos da Lei Maior e sempre estão prontos e alertas para acudirem os necessitados.
Ogum, na Umbanda, difere um pouco de sua descrição no Candomblé porque nela Ele foi todo associado à Lei Maior e é “o senhor das demandas”.
Ogum corta demandas o tempo todo para os umbandistas. São pedidos e mais pedidos nesse sentido e ninguém mudará essa imagem, esse arquétipo de Ogum, pois foi pra exercê-la que ele foi incorporado à nascente religião umbandista.
Pois bem, a Linha de Boiadeiros é sustentada, em um dos seus Mistérios, por Ogum, e a alusão aos cavalos, ao tocar da boiada, ao laçar e trazer de volta o boi desgarrado do rebanho, o atolado na lama, o arrastado pelos temporais, o que se embrenhou nas matas e se perdeu, o que foi atravessar o rio e foi arrastado pela correnteza, etc., tudo tem a ver com o trabalho realizado por esses destemidos espíritos Boiadeiros de Umbanda.
E assim sucessivamente com as alusões dos seus pontos cantados, pois as “ventanias”, as “poeiras”, as “enxurradas” e outros simbolismos indicam os campos de atuação e de ações desses espíritos aguerridos que lidam com os “bois desgarrados do grande rebanho”.
Na Bíblia, o cordeiro simboliza espírito.
Na Umbanda dos Boiadeiros eles são chamados de “bois”.
Boiadeiros são espíritos que conduzem de volta às pastagens tranquilas e seguras os “bois” que se “desgarraram” e se desviaram da grande corrente evolucionista humana.
É para buscá-los de volta e reincorporá-los, mesmo que à força (o laço e o chicote), que os Boiadeiros (Caboclos de Ogum ligados ao TEMPO) existem.
Eles não são só espíritos de ex-vaqueiros ou ex-peões. Eles são grandes resgatadores de espíritos rebelados contra a Lei Maior porque não aceitam os “cabrestos” ou as “peias” criadas por ela [Lei Maior] para educar os “cavalos e bois” [espíritos] chucros e arredios, difíceis de serem domados e domesticados.
O simbolismo por alusão é tão associado à lida com o gado e com suas dificuldades que, ou o interpretamos corretamente ou muitos desavisados ficarão com a impressão de que eles são só espíritos de ex-peões tocadores de gado do plano material.
Ogum é o senhor das demandas;
Yansã é a senhora dos Eguns (espíritos);
Logunan é a senhora do Tempo cronológico [Obs.: do tempo que passa, das eras, e também do Tempo Infinito de Deus, que é a eternidade].
No tempo, em que tudo acontece (a evolução), esses Caboclos de Ogum demandam com as forças das trevas pela libertação e reerguimento consciencial dos espíritos, amparados pela nossa Divina Mãe Yansã.
Também, a Linha de Boiadeiros é uma linha transitória criada por Ogum e outros Orixás para que todos os Exus de Umbanda, assim que evoluam, possam galgar um novo grau de trabalhos espirituais, no qual deixam de ter que atender a todos os pedidos, não importando se são justos ou injustos, se são bons ou ruins, pois Exu é neutro e assume a polaridade de seu ativador. [Obs.: Exu é neutro. Ele “funciona” de acordo com a polaridade da pessoa que o ativa. Mas a responsabilidade é de quem o ativou e lhe deu a própria polaridade, boa ou má].
Todo espírito que atua como Exu de Umbanda, ao conquistar o grau de Boiadeiro, recupera o seu livre arbítrio e já não é obrigado a responder às invocações com fins negativos.
Após conquistar o grau de Boiadeiro, o espírito deixa de ser conduzido pelos “bois” e torna-se um tocador “de gado”.
Jetuá, Boiadeiro!