ATRISTEZA DE PAI BENGUELÉ
Já fazia aproximadamente muitos anos que aquele médium assistia ao
Pai Benguelé trabalhar naquela casa, afinal ele começara sua
caminhada espiritual pelas mãos daquele pretinho, e toda a sua coroa
foi se revelando pelos desenvolvimentos ministrados por ele, um após
outro. E foi exatamente por conhecê-lo e saber da alegria daquele
velhinho trabalhando é que o médium estranhou ao lhe ver taciturno.
Muito timidamente se achegou ao velhinho que ao perceber a sua
chegada falou mansamente, chega cá fio, dá um abraço nesse nego veio.
Ao se ajoelhar ele percebeu a tristeza que se estampava na face
espiritual do bom velhinho e lhe perguntou: Meu pai, eu nunca vi o
senhor dessa maneira, externando tamanha tristeza, o que lhe
acabrunha?
E o velhinho com os olhos marejados acaricia a cabeça daquele filho
que sempre esteve junto a ele em todos os trabalhos mais importantes
da casa, de demandas, de saúde e muitos outros, com candura começa a
falar ao médium: Fio o que Nego Véio está sentindo é algo muito
profundo, foi se formando ao longo de muito tempo, e por mais que
esse Véio avisasse ao meu Cavalo ele não consegue mais ouvir as
minhas palavras, tudo tem se perdido no vento.
Toda aquela preocupação que meu fio tinha em cuidar de cada médinho
separadamente, cada um com o seu carma, cada um com o seu problema,
foi abandonada, totalmente esquecida, hoje meu fio trata tudo como se
fosse um balaio de gato, como se todo mundo fosse iguá, todo mundo
fosse fio do mesmo Pai e da mesma Mãe . E aí o que acontece? Meus
fios tão cheios de quizila, marido e muié se separando, abandonando
seus fios, irmãos de sangue em contenda e na casa a lei e a doutrina
de Zambi e da Umbanda não está sendo cumprida.
As entidades da casa revela aos fios que vem em busca de ajuda, que
as coisas que estão acontecendo na vida deles é por causa da sua
missão espirituá e que eles precisam botar roupa branca e cumprir
com essa missão, explica que eles precisam se desenvolver para que os
seus santinhos possam chegar e prestar caridade, que precisam de
estudo para facilitar essa caminhada e para meus fios saber separar o
joio do trigo, afastando os zombeteiros, a mistificação e o animismo
e que sem isso meus fios serão presas fáceis para qualquer obsessor,
fazendo com que meus fios deixem de cumprir com as regras
estabelecidas pela espiritualidade e que deve ser respeitada.
Aí os médinhos entram pra casa, e na primeira semana eles até cumprem
com as regras, mais a partir daí eles começam a declinar, inventado
desculpas para não cumprir com as obrigações da casa, que não tem
tempo, que é o trabaio, que é o estudador. Aí eles acabam indo
somente no trabalho em que eles podem ser usados, nas sessões,
justamente onde eles se deixam arrastar pelos desejos incontidos, até
então freados, querendo beber, querendo fumar, pegando tudo que lhes
vem a cabeça, com home querendo ser muié e muié querendo ser home,
com a coluna curvada de tanta guia, uns querem chegar fantasiados,
muitos nem tomam seus banhos de ervas, e quando chegam na casa, ao
invés de se concentrar, de mentalizar seus mentores, eles discutem e
riem em altos brados, abrindo seus espaços para entrada do lixo
espiritual que busca espaço naqueles que ainda se encontram
fragilizados.
E aí, o que faz meu cavalo? Coitado ele ta tão preocupado com as
festas, com os quitutes, com os convidados, com a quantidade que ta
entrando e nem repara os que tão saindo, alguns pior do que quando
entraram. Então o que Nego Véio tem que fazer depois de tanto falar?
Deixar meu fio caminhá com seu livre-arbítrio, destruindo em anos o
que a espiritualidade construiu em séculos, é muito triste e só resta
a Nego Véio a esperança que meu fio volte a enxergá, que afaste do
seu caminho a vaidade, o orgulho e o egoísmo e lembre do trato que
ele fez com esse preto há tanto tempo.
Quanto a suncês Nego Véio espera que se unam cada vez mais em amor
para com o próximo como disse Jesus, caridade a cada dia, de
pensamentos e de obras, cada um tira a trave em seu próprio olho e
deixa que Pai Benguelé tira a trave do olho desse fio cego.
Perdoa Nego Véio meus fios.