XANGÔ – SENHOR DO FOGO OCULTO
(Texto Os
Orixás, publicado pela Editora Três).
O PERFIL DO ORIXÁ
Xangô é um Orixá
bastante popular no Brasil e às vezes confundido como um Orixá com especial
ascendência sobre os demais, em termos hierárquicos. Essa confusão acontece por
dois motivos: em primeiro lugar, Xangô
é miticamente um rei, alguém que cuida da administração, do poder e,
principalmente, da justiça - representa a autoridade constituída no panteão
africano. Ao mesmo tempo, há no Norte do Brasil diversos cultos que atendem
pelo nome de Xangô. No Nordeste,
mais especificamente em Pernambuco e Alagoas, a prática do candomblé recebeu o
nome genérico de Xangô, talvez
porque naquelas regiões existissem muitos filhos de Xangô entre os negros que vieram trazidos de África. Na mesma
linha de uso impróprio, pode-se encontrar a expressão Xangô de caboclo, que se refere
obviamente a um culto sincretizando influências do culto original (candomblé ou
umbanda) com cerimônias e mitos dos indígenas da região, também chamado de candomblé
de caboclo.
Na mitologia, é atribuído a Xangô (enquanto homem, ser histórico)
o reinado sobre a cidade-estado de Oyó, posto que conseguiu após destronar o
próprio meio-irmão Dada-Ajaká com um golpe militar. Por isso, sempre existe uma
aura de seriedade e de autoridade quando alguém se refere a Xangô.
Xangô é pesado, íntegro,
indivisível, irremovível; com tudo isso, é evidente que um certo autoritarismo
faça parte da sua figura e das lendas sobre suas determinações e desígnios,
coisa que não é questionada pela maior parte de seus filhos, quando inquiridos.
Suas decisões são sempre consideradas
sábias, ponderadas, hábeis e corretas. Ele é o Orixá que decide sobre o bem e o
mal. Ele é o Orixá do raio e do trovão. Miticamente, o raio é uma de suas
armas, que ele envia como castigo. Ninguém, porém, deve temer sua cólera como
uma manifestação irracional.
Xangô tem a fama de
agir sempre com neutralidade (a não ser em contendas pessoais suas, presentes
nas lendas referentes a seus envolvimentos amorosos e congêneres). Seu raio e
eventual castigo são os resultados de um quase processo judicial, onde todos os
prós e os contras foram pensados e pesados exaustivamente - a famosa balança da
Justiça. Seu Axé, portanto está concentrado nas formações de rochas
cristalinas, nos terrenos rochosos à flor da terra, nas pedreiras, nos maciços.
Suas pedras são inteiras, duras de quebrar, fixas e inabaláveis, como o próprio
Orixá.
Numa visão litúrgica um pouco mais restrita
e mais apegada às lendas de origem dos Orixás, um filho de Xangô não se pode contentar apenas com
uma pedra vinda de uma pedreira ou de uma montanha para guardar numa vasilha o
seu assentamento.
Xangô não contesta o
status de Oxalá de patriarca da Umbanda, mas existe algo de comum entre ele e
Zeus, o deus principal da rica mitologia grega. O símbolo do Axé de Xangô é uma espécie de machado
estilizado com duas lâminas, que indica o poder de Xangô, corta em duas direções opostas. O administrador da justiça
nunca poderia olhar apenas para um lado, defender os interesses de um mesmo
ponto de vista sempre. Numa disputa, seu poder pode voltar-se contra qualquer
um dos contendores, sendo essa a marca de independência e de totalidade de
abrangência da justiça por ele aplicada. Segundo Pierre Verger, esse símbolo se
aproxima demais do símbolo de Zeus encontrado em Creta.
Outra informação de Pierre Verger
especifica que esse oxé parece ser a estilização de um personagem carregando
o fogo sobre a cabeça; este fogo é, ao mesmo tempo, o duplo machado, e lembra,
de certa forma a cerimônia chamada ajerê,
na qual os iniciados de Xangô
devem carregar na cabeça uma jarra cheia de furos, dentro da qual queima um
fogo vivo, demonstrando através dessa prova, que o transe não é simulado.
Xangô então, é o
administrador que se curva à experiência e sabedoria do velho Oxalá, o símbolo
do poder em toda sua plenitude, mas que deve ser acatado por Xangô quando em suas decisões intervier.
Xangô, portanto, já
é adulto o suficiente para não se empolgar pelas paixões e pelos destemperos,
mas vital e capaz o suficiente para não servir apenas como consultor.
Outro dado saliente sobre a figura do
senhor da justiça é seu mau relacionamento com a morte. Se Nanã é como Orixá a
figura que melhor se entende e predomina sobre os espíritos de seres humanos
mortos, Eguns, Xangô é
que mais os detesta ou os teme. Há quem diga que, quando a morte se aproxima de
um filho de Xangô, o Orixá o
abandona, retirando-se de sua cabeça e de sua essência.
Deste tipo de afirmação discordam diversos
babalorixás ligados ao seu culto, mas praticamente todos aceitam como preceito
que um filho que seja um iniciado com o Orixá na cabeça, não deve entrar em
cemitérios nem acompanhar a enterros.
CARACTERÍSTICAS DOS FILHOS DE XANGÔ
Para a descrição dos arquétipos psicológico
e físico das pessoas que correspondem a Xangô,
deve-se ter em mente uma palavra básica: Pedra. É da rocha que eles mais se aproximam no mundo natural e
todas as suas características são balizadas pela habilidade em verem os dois
lados de uma questão, com isenção e firmeza granítica que apresentam em todos
os sentidos.
Atribui-se ao tipo Xangô um físico forte, mas com certa quantidade de gordura e uma
discreta tendência para a obesidade, que se ode manifestar menos ou mais
claramente de acordo com os Ajuntós (segundo e terceiro Orixá de uma
pessoa). Por outro lado, essa tendência é acompanhada quase que certamente por
uma estrutura óssea bem-desenvolvida e firme como uma rocha.
Tenderá a ser um tipo atarracado, com
tronco forte e largo, ombros bem desenvolvidos e claramente marcados em
oposição à pequena estatura;
Por essas qualidades, é relativamente fácil
para os iniciados descobrirem que tal pessoa é de Xangô, pela aparência e modo de andar, o que é mais difícil
para tipos pouco mais sutis e mistos como Oxum, Ossãe e Omulu.
A mulher que é filha de Xangô pode ter forte tendência à falta
de elegância. Não que não saiba reconhecer roupas bonitas - tem, graças à
vaidade intrínseca do tipo, especial fascínio por indumentárias requintadas e
caras, sabendo muito bem distinguir o que é melhor em cada caso. Mas sua melhor
qualidade consiste em saber escolher as roupas numa vitrina e não em usá-las.
Não se deve estranhar seu jeito meio masculino de andar e de se portar e tal
fato não deve nunca ser entendido como indicador de preferências sexuais, mas,
numa filha de Xangô é um processo
de comportamento a ser cuidadosamente estabelecido, já que seu corpo pode aproximar-se
mais dos arquétipos culturais masculinos do que femininos; ombros largos,
ossatura desenvolvida, porte decidido e passos pesados, sempre lembrando sua
consistência de pedra.
Em termos sexuais, Xangô é um tipo completamente mulherengo. Seus filhos, portanto,
costumam trazer essa marca, sejam homens, sejam mulheres (que estão entre as
mais ardentes do mundo). Os filhos de Xangô,
não costumam ser conhecidos socialmente como um tipo dado a aventuras. Não são
os mitos sexuais de sua sociedade e é para muito poucos amigos que confessam
suas conquistas, pois não faz parte de suas necessidades se auto-afirmar
através desse expediente. São honestos e sinceros em seus relacionamentos mais
duradouros, porque para eles sexo é algo vital, insubstituível, mas o objeto
sexual em si não é merecedor de tanta atenção depois de satisfeito desejo.
Psicologicamente, os filhos de Xangô apresentam uma alta dose de
energia e uma enorme auto-estima, uma clara consciência de que são importantes,
dignos de respeito e atenção, principalmente, que sua opinião será decisiva
sobre quase todos os tópicos - consciência essa um pouco egocêntrica e nada
relacionada com seu real papel social. Os filhos de Xangô são sempre ouvidos; em certas ocasiões por gente mais
importante que eles e até mesmo quando não são considerados especialistas num
assunto ou de fato capacitados para emitir opinião. A postura pouco nobre dos
filhos de Xangô e seu cultivo de
hábitos considerados aristocráticos ou pouco burgueses é resultado dessa
configuração psicológica.
Porém, o senhor de engenho que
habita dentro deles faz com que não aceitem o questionamento de suas atitudes
pelos outros, especialmente se já tiverem considerado o assunto em discussão
encerrado por uma determinação sua. Gostam, portanto, de dar a última palavra
em tudo, se bem que saibam ouvir. Quando contrariados, porém, se tornam
rapidamente violentos e incontroláveis. Nesse momento, resolvem tudo de maneira
demolidora e rápida, mas, feita a lei, retornam a seu comportamento mais
usual.
Em síntese, o arquétipo associado a Xangô está próximo do déspota
esclarecido, aquele que tem o poder, exerce-o inflexivelmente, não admite
dúvidas em relação a seu direito de detê-lo, mas julga a todos segundo um
conceito estrito e sólido de valores claros e pouco discutíveis. É variável no
humor, mas incapaz de conscientemente cometer uma injustiça, fazer escolha
movido por paixões, interesses ou amizades.
Xangô é o Orixá julgador,
destruidor, inteligente, impulsivo, violento. Representa o poder transformador
do fogo, é o padroeiro dos intelectuais e artistas. Seu número simbólico é o
doze, assim como doze são os ministros, Obas, de Xangô.
Apesar de discordarmos da visão privilegiada
do fogo como elemento de Xangô,
insistimos que a pedra é seu símbolo básico, mais redutor e mais abrangente ao
mesmo tempo.
Fraternidade Socorrista Mãe Yemanjá e Baiano Zeferino/SP