terça-feira, 7 de agosto de 2012

‘Intolerância religiosa é camuflada’

Realidade impertinente e, por isso, ocultada. Desta forma a intolerância religiosa é encarada no Brasil, para Hédio Silva Júnior, ex-secretário do Estado da Justiça e Defesa da Cidadania. Diretor acadêmico da Faculdade Zumbi dos Palmares, ele lança hoje em Bauru, no Teatro Municipal, a cartilha “Liberdade Religiosa, A Proteção da Fé”.
Titular da pasta de Justiça no biênio 2006/2006, Silva Júnior afirmou, em entrevista concedida ontem à tarde, no espaço Café com Política do Jornal da Cidade, que a tendência em “escamotear” do tema no Brasil tem entre suas causas a linha tênue entre legislação e particularidades de cada dogma.
A discussão, admite o ex-secretário de Estado, é ampla, outro fator que emperra o debate aprofundado sobre respeito pleno a todas as práticas religiosas. Apesar disso, considera, o Brasil já avança bastante para estabelecer um diálogo cada vez mais aberto tanto no que tange o respeito às diferenças crenças, mas também a quem não se insere em nenhuma delas.
“Entre 10% e 12% da população brasileira não tem religião e essa parcela também é vista com preconceito, mesmo de forma velada. Além disso, vemos no Brasil uma grande migração de fiéis entre as religiões. Por isso, o respeito e igualdade devem predominar”, considera o ex-secretário estadual da Justiça.
A grande questão, observa, é conjugar o cumprimento da lei com o que rege cada dogma. Um dos exemplos listados por Silva Júnior é o recente problema de estudantes fiéis aos Guardadores de Sábado que, por força da crença, não poderiam prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcado para este dia da semana, antes do por do sol.
Dilemas das Testemunhas de Jeová com a ética médica ou eventual controvérsia entre frieza da lei humana e fé com casos de absolvição de acusados nos tribunais, mediante cartas psicografadas usadas como provas cabais, são outros exemplos citados do constante “conflito” entre aplicação da lei mediante dogmas religiosos.
Contudo, reitera Silva Júnior: a discussão não trata sobre predomínio desta ou daquela forma de fé, mas sim da convivência pacífica e cordial entre as diferentes manifestações religiosas.
Estado laico
Uma das formas de respeito à pluralidade religiosa no País, para Hédio Silva Júnior – doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) paulista -, é um Estado declaradamente laico, ou seja, sem adulação a qualquer tipo de símbolo religioso nas repartições públicas.
Como exemplo, ele cita a recente retirada dos crucifixos dos tribunais gaúchos medida que, para ele, deveria se estender ao País. “Temos mais de duas mil formas de manifestação religiosa no Brasil, segundo o IBGE. Para sermos democráticos, deveríamos, então, exibir todos os símbolos nas paredes das repartições, inclusive daqueles que não creem”, argumenta.
No entanto, existem os feriados de origem católica. Eles deveriam, desta forma, ser seguidos apenas pela população católica? Para o ex-secretário da Justiça, não.
“Temos em média 17 feriados no Brasil. Onze deles são ligados a alguma motivação religiosa. De cada cinco dias da história do Brasil, em quatro vivemos sob a égide de uma religião oficial de Estado”, atribui.
“Não seria razoável que outros segmentos não homenageados com feriados venham a ser discriminados. Jamais defenderia o fim dos feriados, mas não podemos permitir que brasileiros sejam violentados por conta da opção religiosa ou por não terem religião”, opina.
Cartilha sobre liberdade religiosa será distribuída
Lançada hoje no Teatro Municipal, a cartilha “Liberdade Religiosa – A Proteção da Fé”, apesar do subtítulo “Direitos e Prerrogativas das Religiões Afro-Brasileiras”, não tem qualquer pretensão de incentivo ao engajamento neste segmento de fé, garantem os autores Hédio Silva e Ricardo Barreira.
O material, produzido sob iniciativa do Instituto Sócio Cultural Umbanda Fest e do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) – do qual Silva Júnior é diretor executivo -, será distribuído também aos professores da rede municipal de ensino.
No entanto, frisa Barreira, que é fundador do instituto, o texto não apresenta conteúdo teológico e sim um compêndio legal para a construção de uma sociedade mais igualitário. Especificamente sobre a Umbanda e Candomblé, observam os autores, o material visa apenas educar para evitar constrangimentos por preconceito, nas ruas ou nas escolas. 
“As religiões afro-brasileiras nem sempre são muito visíveis, estão muito presentes no conjunto da população brasileira, com o Candomblé e a Umbanda, e sofrem preconceito”, considera. “Judeus, muçulmanos e guardadores do sábado, por exemplo, também são discriminados. Lançamos a cartilha como instrumento de afirmação de direitos”, anuncia. 
Fonte: JCNet